BILDUNG –
METAFÍSICA DO PODER?
A arte e seus
aprendizados sobre o homem!
Profª Drª Véra Marta Reolon
Professora aposentada (UFRGS)
Doutora em Filosofia (PUC-RS), Doutora em Educação (UFRGS), Mestre
em Letras e Cultura Regional (UCS), Graduada em Psicologia – Formação do
Psicólogo (UCS), Bacharel em Ciências Contábeis (UCS)
E-mail: verareolon@terra.com.br
O cenário é uma
ópera de Richard Wagner: DAS RHEINGOLD – em tradução livre, Sobre o Ouro
do Reno. A ópera é transpassada pela música, absolutamente campal, forte,
poderosa.
A cena se inicia com
as Nereidas, em número de três, cantando seu cuidado e a determinação de seu
pai, de que elas protegessem o ouro nas profundezas do oceano. Aparece um nibelungo
que deseja desposar uma delas. Canta o amor a uma, que o renega. Depois à
segunda, que repete o gesto da irmã. Por fim, a terceira também o rejeita. Ele,
então, desprezado pelas três, rouba-lhes o ouro e o leva para seu mundo. As Nereidas,
então, o amaldiçoam: “quem fica com o ouro, é porque rejeitou ao amor e aos
prazeres do amor”.
Outra cena. O
ambiente agora é montanhoso, hipoteticamente um “céu” rochoso, onde “vivem” os
deuses, comandados por Wotam. Este está casado com Fricka, irmã de Freya.
Wotam, por algum temor, que não fica claro, apenas que pode ter sido induzido
por Mime, manda construir, cercar o “palácio”, as terras, com um fortificado.
Este fortificado é realizado pelos gigantes, que cobram pelo serviço. A cobrança
era sabida e combinada com Wotam, no contrato. Concluída a obra, os gigantes querem
o pagamento. Wotam sabe disso e é questionado pela esposa do absurdo da construção,
considerando-a desnecessária. Afinal são deuses, imortais. Wotam não tem o
valor do pagamento. Os gigantes então, exigem que Wotam lhes entregue Freya,
paixão de um deles.
A importância de
Freya no reino imortal é que ela cuida das plantações, da árvore e dos frutos
que dão a imortalidade e a juventude aos deuses. Entregando-a aos gigantes, não
só perdem a irmã de Fricka, mas também a possibilidade da juventude e
imortalidade. Que deuses seriam, então?
Como não há a
possibilidade de quitar a dívida de outra forma, entregam Freya.
Se vão os gigantes
com Freya e prometem devolvê-la apenas quando do pagamento da fortaleza.
Mime, como um
demônio, a viver com os deuses, sabedor da história das Nereidas, convence
Wotam a buscar o ouro com o Nibelungo, em princípio para devolvê-lo às
Nereidas.
Wotam chega às
profundezas do oceano e, em uma jogada de esperteza, consegue tomar o ouro do
Nibelungo e levá-lo. Este, antes de levarem o ouro, amaldiçoa o que tiver o
ouro e o anel de ouro, que morrerá por ele. Wotam paga, assim, o que deve aos
gigantes, recupera Freya.
Um dos gigantes,
dizendo ao irmão que, como aquele só queria mesmo Freya e nada mais, o mata
para ficar com o ouro só para si.
Os deuses se
encaminham ao cercado, agora com Freya.
Mime questiona
Wotam, sobre a não devolução do mesmo aos oceanos e às Nereidas, logo o não
restabelecimento do equilíbrio, o que Wotam nem dá atenção.
Ao final da peça,
Wagner nos mostrar um Mime a arder, com roupas de um vermelho vivo, afogueado.
È interessante
observar que tudo isso, a ópera, sua concepção se passam no século XIX, em
plena vigência do que a Alemanha chamou de Bildung, uma busca pelo
revisitar a Paidéia grega, com sua efervescência cultural, com a busca por um
crescimento intelectual, cultural, estético, do mundo grego da antiguidade.
A Paidéia grega
prezava a busca de um crescimento que extrapolava o intelectual, que
extrapolava a arte. Era um mundo de crescimento exterior que jamais se
desvincularia de um grande crescimento interior. O homem aqui era o que
cultuava esse crescimento, o saber, a sabedoria, o fazer estético, jamais desvinculado
da ética subjacente.
Note-se que a ética
para o grego era aquilo que podemos explicar, além da moral, do costume, que o
latim tentou traduzir e adaptar como sendo de mesma etnia. Ética era o lugar
das casas, onde como um altar, com objetos sobre ele, que simbolizavam os
antepassados, os familiares, em uma situação de crise que necessitava de uma
decisão, giravam até encontrarem uma resposta que venerasse e honrasse a todos
que aí estavam e aos que viriam além deles.
Logo, todo fazer,
deveria estar impregnado de saber, de sabedoria, de verdade, de arte (fazer
arte – agir esteticamente), mas SEMPRE como um ATO ÉTICO por excelência.
O homem grego
utilizava deste preceito para lançar-se no que Foucault mais tarde retoma,
nomeando de CUIDADO DE SI!
O HOMEM GREGO, ENTÃO
PARA SAIR DAS CAVERNAS e viver na cidade, deveria buscar esse cuidado de si,
esse crescimento, essa preparação para “governar” as cidades. è aqui, centra-se o que, resumidamente os
gregos nomeavam como PAIDÉIA!
Nietzsche, no século XIX, entre outros, na Alemanha pré-guerras,
busca revisitar a idéia da Paidéia, para o tempo alemão, com o que chamaram de BILDUNGè um restabelecimento do agir, do fazer, do estar no mundo, da Paidéia
grega para um novo tempo, para uma nova efervescência cultural,
ético-estética, agora como centro do mundo alemão e seus pensadores,
artistas...Richard Wagner é um dos grandes expoentes deste tempo e busca a Bildung
com galhardia na música. Nas óperas indiscutivelmente.
O que vejo, em princípio, nesta transposição artística?
Wotam não precisava de uma fortificação para seus domínios. Os
deuses são imortais, são deuses. Por quê o faz? O faz induzido por um
manipulador? Mas, por quê se deixa seduzir por coisas das quais não precisa?
Por quê não ouve sua mulher, em princípio, como ele mesmo diz, por quem “perdeu
um olho” (sic) para tê-la (literalmente, pois está com um olho cego!). Ainda,
faz um contrato com os gigantes, que sabe não poder pagar e corre o risco de
perder a imortalidade, a juventude, própria dos deuses, logo perder assim, suas
essências, como deuses que são.
O Nibelungo entrou no jogo do poder do ouro, mas sabia, e o fez
depois de tentar o amor e seus prazeres com as Nereidas, logo sabia que negar o
amor era uma conta que pagava para ter o ouro e o poder advindo dele. O equilíbrio
perdido no ar, terra, água estava quebrado, com sua atitude. Mime, em princípio
queria restabelecer o equilíbrio. Há interesse nele de que isso se dê? Wagner,
com o “queimar” de Mime, no final da peça, nos dirá que não! Os gigantes, em
princípio não queriam o dinheiro, o ouro, queriam Freya, um por amor, o outro,
quiçá para obter a juventude e a imortalidade.
Chega-se, ao término da peça com a idéia que o PODER é
absolutamente VAZIO de quaisquer significados, pois ninguém está satisfeito com
o resultado de seus atos, da condução dos acontecimentos.
Lévi-Strauss compara o objeto mitológico a uma partitura de
orquestra que se deve ler horizontal e verticalmente. “Música e mitologia se
apresentam, aos olhos de Lévi-Strauss, como imagens inversas uma da outra,
desde a invenção da fuga, cuja composição se reencontra na narrativa mítica. A
música tomou o lugar do mito: ‘quando morre o mito, a música torna-se mítica da
mesma forma que as obras de arte’” (DOSSE, 2007, p.341).
Será, e me pergunto sempre, que tais elucubrações não são as
precursoras dos acontecimentos a que chegamos no Holocausto judeu, nas guerras
mundiais, no entre guerras, no horror inclusive questionado por judeus, como
Hanna Arendt em seu belíssimo Eichmann em
Jerusalém? E, quiçá, na fragmentação, inclusive acadêmica que vivemos hoje,
em todos os campos do saber, que evidencia o quanto nos distanciamos das idéias
da Paidéia, indo justamente na contramão de tudo aquilo que lemos e
estudamos daquele período e de seus ensinamentos?
Vontade, Poder, Desejo é a própria Paidéia em ação, é todo
o agir estético, logo, absoluta e completamente ÉTICO POR EXCELÊNCIA! Qualquer
coisa, qualquer agir, diferente deste não chega no ato Techné grego, que
também seria estético, mas diferente da Arché, mais idealizado, mais em
busca do BEM, do BOM, do IDEAL, portanto.
Schoenberg em seu texto, com textos criados, revisitados, inicia,
assim, seu texto, A RELAÇÃO COM O TEXTO:
“Há relativamente poucas pessoas capazes de compreender de modo puramente
musical o que a música tem a dizer” (SCHOENBERG, 2013, p.69).
A música está para além das notas, está para além da composição,
dos arranjos, por mais belos que possam ser. A música está para além de uma
voz, harmoniosa ou não. A música está no agir musical. A música está no ato
estético por excelência. A música, logo, está no agir ÉTICO por excelência.
Está no mais distante do PODER pelo poder, no Poder que, diria Lacan, atem-se a
PARANÓIA, no vazio do poder. A música está no DESEJO que é absolutamente
pessoal, intransferível, no DESEJO que nos constitui como seres ÚNICOS que
somos. A música está no agir Estético, desde a Paidéia, a VERDADEIRA
MÚSICA ESTÁ NA ÉTICA SUBJACENTE A TODO NOSSO AGIR E SER!.......... só assim!!!!!
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ARENDT, Hanna. Eichmann em
Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal. SP: Cia das Letras, 1999.
DOSSE, François. História do
Estruturalismo. Bauru: Edusc, 2007.
KANDINSKY, Wassily; MARC, Franz (Org.). Almanaque O Cavaleiro Azul. SP: EDUSP, 2013.
PLATÃO. A República. SP:
Nova Cultural, 2000.
WAGNER, Richard. Das Rheingold. DVD, 1990/2008, Deutche Grammophon, gmbh, Hamburg
Entre outros autores...
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