Guilherme Reolon
de Oliveira
Corporate
Philosopher, Consultor em Felicidade Organizacional, Doutorando em Filosofia
(PUC-RS)
Hoje inicia o
2º Concerto de Moda da Serra Gaúcha, um evento que acontece até sábado, com uma
série de atividades, destacando-se os desfiles que ocorrerão na Sinimbu, no
Palacete Eberle e na sede social do Clube Juvenil. Mas o que é uma roupa?
Pergunta inocente, afinal vestimo-nos ou desnudamo-nos tão facilmente com um
simples ato de colocar ou retirar uma ou mais peças de roupas. Segunda pele,
sobre a pele; máscara, fantasia; cobrir-se ou descobrir-se. Uma folha a cobrir
a genitália, um uniforme sem o qual não se pode frequentar determinado
estabelecimento. A roupa poderia ser definida como “tecidos recortados e
costurados”. Mas, como tal, se reduz à coisa. De acordo com a funcionalidade,
talvez, poder-se-ia dizer que a roupa é um utensílio que serve para vestir. O
vestir, entretanto, só acontece como ação, se há uma roupa e, assim, há uma
circularidade na conceituação.
Tecidos
recortados e costurados, em si, não constituem uma roupa, pois outros
utensílios são assim produzidos: toalhas de mesa e lençóis, por exemplo. Em um
manequim, a roupa já é roupa? Em um desfile conceitual, a roupa já existe como
acontecimento? Perguntar o que é a roupa é pensar a sua essência, ou, em outras
palavras, seu originário ou, ainda, seu ser. Costuro tecidos, quaisquer
tecidos, e o resultado é uma roupa? Costuro quaisquer tecidos, a partir de
moldes pré-estabelecidos de camisa, por exemplo: eis uma camisa? E se houver
uma escolha deliberada do tecido a ser utilizado? Uma camisa sem mangas e sem
gola ainda é uma camisa? Essa suposta camisa, criada e exposta ao público, por
meio de um desfile, ou em uma vitrine, já é roupa?
Yohji Yamamoto
definiu a roupa feminina com uma pergunta: “Posso ajudar?” E a roupa masculina
com um convite: “Vem, vamos embora”. Essas “definições”, na forma de frases,
contribuem para uma ontologia da roupa, à medida que expandem a compreensão do
ser da coisa. Ajudar e ir, verbos inscritos nas orações de Yamamoto, são ações:
o criador está na roupa que oferece ao cliente: ora numa condição subserviente,
ora numa relação de companheirismo. Yamamoto está não só no desenho e no
desenvolvimento produtivo daquilo que cria, mas na relação que estabelece com
aquele que o compra. Yamamoto é na roupa, como etiqueta, como assinatura e como
estilo de criação (a prisão da qual tem a chave). Vestir a roupa de Yamamoto é
vestir Yamamoto, o próprio, é quase sê-lo. Identificando-me com ele, integro-o
à minha identidade.
Marx, o
pensador do capitalismo, crítico do fetichismo da mercadoria, considera a roupa
uma abstração. Abstração de um trabalho, de uma mão de obra valorada, porém
alienada. E se enreda no roteiro que ignora. Ele só consegue ser Marx – o
sujeito que pesquisa, que escreve, que frequenta o Museu Britânico – se
portador de um casaco. Esse casaco, no entanto, é modo de subsistência, quando
objeto penhorável. Sem a penhora, Marx não pode pagar seu aluguel e sequer
alimentar a si e a sua família. Marx é aniquilado como pensador sem a pesquisa
que, por sua vez, só é possível se Marx porta seu casaco (ou mesmo se utiliza do
dinheiro que dele advém como “objeto” penhorável). Nesse sentido, está em seu
casaco.
Retornamos à
pergunta inicial: O que é uma roupa? Depreendemos que uma roupa só o é a partir
de seu uso (de uma “escolha”). O ser da roupa é apreendido em sua realidade
mesma, a partir da conjugação de seus registros: real (de que é feito),
simbólico (significados que lhe são atribuídos) e imaginário (forma e conteúdo
transformados no tempo-espaço). Só no corpo, e em movimento, a roupa é: o uso e
a conferência de identidade e de diferença é o que lhe conferem seu estatuto de
verdade.