Enxertar o adjetivo “contemporâneo” à dança – ou a qualquer
outra arte – não autoriza o artista a “qualquer coisa” produzir. A obra de arte
é aberta a múltiplas interpretações, ok, mas “não escancarada”, como observara
Haroldo de Campos.
O espetáculo Verde (in)tenso,
apresentado pela GEDA Companhia de Dança Contemporânea, no último dia 11, no
Theatro São Pedro, propôs o universo gaúcho como poética de concepção.
Elementos da “lida” campeira estiveram presentes, tanto na vestimenta (com indícios
de xale, ponchos, bombachas e xilipás), quanto em elementos cênicos, tais como
ossadas de bois. Um momento/movimento que teve destaque foi o que metaforizou o
tosqueamento de uma ovelha: um bailarino cortava uma espécie de “segunda pele”
de uma bailarina. Outro foi a participação de um casal de bailarinos que não
pertenciam à Cia: dançaram belissimamente ao som de trechos de música
tradicionalista.
A iluminação foi pouco explorada, quase sem modificações. O
cenário, embora mínimo, essencializou o vento, retomado em passagens de textos
declamados de Érico Veríssimo e em movimentos que visivelmente o ilustraram. O
elemento cênico das boleadeiras, utilizado por uma das bailarinas, em momento
individual, foi associado a uma passagem de Ana Terra (Veríssimo): mas o
discurso de Terra remetia ao desejo, e as boleadeiras, por sua vez, à dominação
(do animal?).
A Cia procurou, parece, fugir ao estereótipo do gaúcho, porém
a empreitada, se verdadeira, teve efeito contrário: realçou elementos do
folclore (temas como a roda de chimarrão, por exemplo). E se desejou fazê-lo,
isso não ficou claro, ou poderia acontecer de forma diferenciada. Óbvio,
trata-se de escolhas. Mas o figurino, por exemplo, sem fugir de algumas características
do tradicionalismo (universo masculino), as reduziu à cor preta, sem motivação poética
evidente, mesmo que indicativa, para tal. O recurso conceitual de reduzir o gaúcho
às fazendas e ao universo do campo, também produziu efeito invertido negativo:
o Rio Grande do Sul não se constitui só do pampa. Mesmo Vitor Ramil, em sua Estética
do Frio, foge disso. Aliás, a belíssima música de Vitor, Loucos de cara, finalizou o espetáculo, embora os créditos não
tenham sido dados ao compositor no folder. Essa mesma canção, cuja letra remete
à união (“Vem, anda comigo, pelo planeta, vamos fugir”) e ao movimento (“Vem,
nada nos prende, ombro no ombro, vamos fugir”), foi reduzida a movimentos
lentos e, pior, individualizados (inclusive com os “canhões” de luz/refletores
apontados para cada bailarino).
Só não ficou pior porque exatamente durante a audição dessa
emocionante música, os bailarinos dançaram sobre uma camada verde de erva-mate,
derramada segundos antes, o que provocou uma intensidade interessante. Mas o
verde só apareceu ali, quase no fim do espetáculo. E o título?
Aparentando dança-teatro, inspirado na coreógrafa alemã Pina
Bausch, Verde (in)tenso se constituiu
mais de uma peça teatral com alguma movimentação que lembra dança. Mas não
dança-teatro. Mais Performance, com resquícios de dança. Com exceção, talvez,
de um dos bailarinos, que já passou pela Cia Municipal de Dana de Porto Alegre,
e que apresentou uma performance mais próxima à dança, a movimentação dos demais
foi seca, faltou sincronia em alguns movimentos que a requeriam. Talvez (!), o
mérito maior de Verde (in)tenso tenha
sido o trecho em que duas bailarinos executam movimentos robóticos, ao som de
vozes femininas sobrepostas, e com apetrechos gaudérios, que associaram as
bailarinas a bois. Uma clara crítica à objetificação das mulheres (no campo – só?).
Guilherme Reolon de Oliveira
Mtb 15.241