“Dance bem, dance mal, dance sem parar; dance bem, dance até
sem saber dançar” ecoavam as Frenéticas nas danceterias dos anos 70. Dança:
talvez a arte mais executada e, por isso, a menos apreciada como tal. Afinal,
quanto de nós não fervemos nas pistas, mas nunca sequer ousamos tocar um
instrumento, esculpir um mármore ou colorir uma tela em branco? O que é a dança
senão a matiz do movimento, cujo instrumental é o corpo e cujo estilo é alma, o
ritmo, que, segundo Elvis Presley, ou se tem ou não se tem, e aqueles que têm
tem muito?
Estilo é individual, disso não temos dúvida. E o que faz da
dança uma arte, uma arte portanto universalizável? Será que a técnica, essa
coisa que os gregos nos legaram: o “saber fazer”, o “como fazer”? Nesse ponto,
o cinema, o vídeo, nos permite parar e refletir, já que eterniza uma
coreografia, uma escrita da afecção que se manifesta nos movimentos. Nos
filmes, a dança, por vezes, é só um ponto de nexo. Quem não se recorda do tango
executado por Al Pacino, cego, em Perfume de Mulher? Em outras obras da 7ª
arte, a dança é o próprio mote, senão o clímax da narrativa. Esses são os
casos, na minha opinião, respectivamente, de “Be cool – O outro nome do jogo” e
“Nine”.
No primeiro, Jonh Travolta (interpretando Chili Palmer) e
Uma Thurman (no papel de herdeira de uma gravadora musical), dirigidos por Gary
Gray, executam um “pás de deux”, embalados por Sexy, música de Tom Jobim e
Vinícius de Moraes, interpretada pelo grupo de hip hop Black Eyed Peas, que
também está em cena, juntamente com o pianista brasileiro Sérgio Mendes. A
música remete à sexualidade, é uma declaração de fanatismo e excitação, e a
dança, embora pareça não coreografada, feita de improviso, é executada com
extremo cuidado e rigor. O figurino, a iluminação e o cenário remetem a uma
boate ou bar intimista. A música, sendo ao vivo, requer uma dança também única;
e Travolta e Uma o fazem com precisão, materializando o ritmo e o conteúdo da
canção em seus corpos. O sentido é produzido pela própria tradução
“música-dança”. Há presença: os atores-bailarinos parecem enamorados, em um
momento de conquista, mostrando seus “dotes”. Travolta e Uma trabalharam
juntos, também em um duo, no já clássico Pulp Fiction, de Quentim Tarantino,
mas em Be Cool, o que antes era fruto de entorpecentes, é êxtase quase místico.
Kate Hudson, por sua vez, em seu número intitulado “Cinema
Italiano”, de Nine, é uma editora de Vogue, buscando uma entrevista exclusiva
com o cineasta Guido Contini. Vogue: Madonna já cantou o universo da moda em
música homônima à revista-ícone, mas Kate o faz com mestria, unindo moda e
cinema. O cenário é uma passarela, em diversos níveis. O figurino, da
protagonista e de seus bailarinos remete aos anos 50 – algumas franjas e botas,
e ternos justos e gravatas fininhas, além de óculos escuros. A iluminação é de
show business. A música tem muito swing, um pop rock ritmado, com toques de
jazz – e a coreografia é em stileto, tal como desejada pelo diretor do filme,
Rob Marshall, um “solto controlado”. Os bailarinos estão em despojamento
corporal que anima muito a quem vê; a sincronia entre eles é radical: parecem
estar em uma sala de espelhos. Tudo contribui para um clima de glamour
cinematográfico (cabe destacar que Kate é jornalista e deseja conquistar a
atenção do diretor de filmes, que está em crise criativa). Os holofotes, a
música, o troca-troca entre as lentes “preto-e-branco” e “colorido” remetem à
temática e agregam valor à coreografia de intensos movimentos marcados.
Excelente dança que contribui para um enriquecimento da narrativa: “Cinema
Italiano” é mais que um número musical: destaca e dá brilho a toda obra
fílmica.
Be Cool – O outro nome do jogo e Nine, explorando a dança de
maneiras tão díspares e tão singulares, sem dúvida, conduzem para uma resposta
aberta à questão colocada no início: a técnica é um passo, mas o estilo é um
espetáculo. Um passo, sozinho, nada é. Mas um espetáculo só acontece com
passos; estes muito bem fusionados e matizados.
Guilherme Reolon de Oliveira
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.