Guilherme Reolon de Oliveira
Corporate Philosopher,
Psicanalista, Consultor em Felicidade Organizacional, Doutor em Filosofia
(PUC-RS), Pós-doutorando em Administração (USP)
O filósofo Martin Heidegger destaca
que o Cuidado (Sorge, em alemão) é o que caracteriza o
humano, o Ser do homem acontece no Cuidado. Para ele, o cuidar é um fenômeno
ontológico fundamental, isto é, no fenômeno do cuidado o homem preocupa-se com
o seu existir e com o existir dos outros. Isso porque o homem é um ser-no-mundo
que só acontece, como presença, no ser-com-os-outros. O cuidado é abertura
originária de sentido que ilumina tudo que vêm ao encontro do ser. Nesse
sentido, o psicanalista Donald Winnicott acrescenta que “técnicas do
cuidado suficientemente bom neutralizam a perseguição externa, e previnem
os sentimentos de desintegração e de perda de contato entre a psique e o soma”. O
cuidado nunca deve ser excessivo, deve ser suficientemente bom. Sorge,
como cuidado, é o traço fundamental da Presença. Cuidar
para poder-ser, para dar consistência à potência, relação circular entre
afecção e compreensão.
Em sentido semelhante, o
psicanalista Sandor Ferenczi estabeleceu que apenas um
“contato afetivo-confirmador" propiciaria progressos de cura do
sofrimento psíquico. Este contato afetivo é, em suma, cuidado. Cuidado como
ternura. Mas não confundamos a ternura com a caricia. A ternura é a antítese de
qualquer estimulação erotizante. Storge, em grego, é ternura,
e Stergo significa “amar ternamente”. Em outras palavras,
vínculo profundo e carinhoso. Esse verbo, Stergo, constrói-se a
partir do Stereos, que quer dizer, em grego, o real, aquilo que é
firme e sólido. A ternura, exemplificada no amor dos pais,
representa, para os gregos, aquilo que torna firme, que dá firmeza e
segurança.
Por isso, Michel Foucault enfatiza que
o cuidado de si reverbera em uma “estética da existência”, que implica
todo um conjunto de trabalhos sobre si, destacando o princípio “ocupa-te de ti
mesmo”, como condição para o conhecimento de si. Isso quer dizer que o sujeito
se constitui eticamente neste movimento que vai do trabalhar-se ao conhecer-se,
para aquilo a que os gregos denominavam eudaimonia. Traduziu-se eudaimonia por Felicidade.
Para os gregos, contudo, o sentido estrito da palavra era de “excelência”. Ser
feliz, nesse sentido, é ser excelente: no que é, no que faz, nas suas relações,
nesta sincronia do “ser”. Em suma, sua melhor versão.
Para os gregos, o cuidado de si
acontecia nos cuidados com o corpo, nos exercícios físicos sem excesso, nas
satisfações das necessidades, nas meditações, nas leituras, nas conversas com
os amigos: atividades de palavra e de escrita e, porque não, no “dois-em-um”
socrático, que se mostra nos questionar-se constantemente, eticamente. Um dos
pontos mais importantes dessa ação consagrada a si mesmo é que ela não
constitui um exercício da solidão, mas uma verdadeira prática
social.
É neste sentido que empresas que
desejarem estar inseridas no contexto contemporâneo, alinhadas às práticas
de felicidade organizacional, mas também preventivamente no que se refere a
processos judiciais trabalhistas e previdenciários, devem estar atentas a
dois importantes marcos legais referentes ao Cuidado: à saúde mental
de seus colaboradores. O Ministério da Saúde atualizou a lista de
doenças relacionadas ao trabalho. São 347 patologias, incluindo burnout,
abuso de drogas, estresse, transtornos mentais e tentativa de
suicídio. O bornout, também conhecido como síndrome do
esgotamento profissional, pode estar relacionado a questões
como gestão organizacional e interação
pessoa-tarefa disfuncionais, jornada de trabalho inadequada,
violência e assédio moral/sexual no trabalho e discriminação.
O segundo acontecimento é mais recente.
Já está em vigor a Lei Federal 14.831/2024, que institui a certificação
"Empresa promotora de saúde mental". As empresas interessadas em
obter a certificação devem desenvolver ações e políticas como implementação
de programas de promoção à saúde mental no ambiente de trabalho; oferta de
acesso a recursos de apoio psicológico para seus
trabalhadores; capacitação de lideranças; combate à discriminação e
ao assédio; promoção de ambiente de trabalho seguro e saudável; incentivo
ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional; incentivo à
comunicação integrativa; manutenção de canal para recebimento de sugestões
e de avaliações; dentre outras.
O Programa de Gestão da
Felicidade, de minha autoria, fruto de tese de doutoramento é, nesse
sentido, um importante aliado de empresas que queiram prevenir consequências
graves no campo jurídico e previdenciário, e conseguir a certificação de
destaque, tendo em vista que, em seu conjunto de ações, apresenta todas as
diretrizes para tal.
Saúde Emocional é sustentáculo da
Segurança Psicológica, um dos sinônimos de Felicidade. Nesse sentido,
quando se trata de uma organização ou uma equipe esportiva, por exemplo, isso
só se efetiva com abordagens individualistas, que diferem das abordagens coletivistas
(ambientes diferenciados, bonificações, palestras, presentes, reconhecimentos
padronizados). As abordagens coletivistas têm efeito apenas a curto prazo,
grande equívoco e, de certa forma, perda de tempo e dinheiro. As abordagens
individualistas, no entanto, perduram, têm efeito a médio e longo prazo,
progressivo. Em suma o resultado são equipes mais integradas, ambientes
mais coesos, leves e conectados, melhor e maior produtividade, saúde
integral.
Saúde Emocional só é alcançada pelo autoconhecimento
e pelo cuidado de si, pela descoberta de seu Desejo, pela travessia de suas
fantasias, pela tomada de consciência de seus potenciais e limites, pela
construção de seu projeto de vida, pela desalienação daquilo que desejaram que
você desejasse. Nas organizações e fora delas. Em outras palavras,
nascendo de fato, sendo feliz de forma autêntica.
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