Na semana que
passou, dois espetáculos apresentados em Porto Alegre nos provocaram um
questionamento relativo às danças folclóricas: quando deixam de ser apenas
“folclóricas”, se isso é possível, e passam a figurar no escopo de danças “em
geral”?
Vejam bem,
tratam-se de duas apresentações: uma de dança israeli, do grupo Kadima
(agraciado com o Prêmio Açorianos de Dança 2015, como Espetáculo do Ano), e
outra de flamenco, do grupo de Silvia Canarim.
A pergunta
parece ser mais facilmente respondida quando nos referimos ao flamenco, que já
figura nas mostras de dança ao lado das danças clássica, moderna e
contemporânea, movimento que ocorre também com as danças urbanas e com a dança
do ventre, por exemplo.
A mídia
desempenhou papel importante nesse sentido, popularizando, quase massificando
algo restrito a um grupo. De flamenco, há escolas especializadas ao ensino de
sua dança, associada ou não aos costumes que propiciaram seu advento: a música
e a cultura de Sevilha, Espanha. O flamenco figura como o samba, o tango, a
salsa.
Isso não ocorre
com a dança israeli, que se equipara, por exemplo, às danças gaúchas, ao frevo
e à tarantela, ainda restritas a grupos específicos ou culturas regionalistas.
Pode-se pensar que tais danças ainda não sofreram um processo de transformação
do popular ao massivo, mas isso se mostra argumento fraco, uma vez que são
identificáveis facilmente por qualquer um. Essas danças, uma vez “confinadas” a
determinados grupos, sobrevivem – é o que se observa – pelo esforço (e diríamos
pelo patrocínio) de fundações, centros de tradições, governos e institutos
públicos, movimentos tradicionalistas, o que não ocorre com outras modalidades
de danças.
Por figurarem no
escopo das danças folclóricas, por vezes, esses grupos contam com a
participação de um número elevado de bailarinos (que desfoca a atenção do
público) e, dado seu caráter de folclore, não exigem uma avaliação de precisão
de movimentos e ações. Isso se observou no espetáculo Etnias, do grupo Kadima, apresentado dia 17, no Theatro São Pedro.
Com um grupo de mais de 30 bailarinos no palco, em diversos momentos, era
perceptível que um ou outro não “lembrou” da coreografia, parou a movimentação
e aguardou a “deixa” para entrar novamente na escrita combinada. Em grupos
menores ou de dança clássica, por exemplo, isso – o erro – não passaria
desapercebido e seria facilmente notado, mesmo por grupo não especializado.
Ainda assim, o grupo fez uma apresentação muito boa, com Presença (da maioria)
e afinação de narrativa (história dos judeus) por meio de figurinos e oito (ou
nove) coreografias, com autorias eticamente documentadas – é verdade que
facilitada, afinal, qual grupo de dança, hoje, tem um conjunto de mais de dez
produtores à sua disposição (aliás, produção inteligente, inclusive de vídeo e
libreto), além de uma fundação brasileira de arte e cultura por trás?
Nesse sentido,
uma avaliação melhor merece o espetáculo Usina
Tablao, do Grupo Flamenco Sílvia Canarim, apresentado dia 18, no Teatro
Renascença. No palco: um cantor, dois instrumentistas e seis bailarinas, música
flamenca ao vivo e um gostinho de participação naquele grupo que remetia aos
tablados espanhóis. Uma precisão de movimentos, uma sensação de pertença grupal
e uma Presença marcante dos músicos e das bailarinas, resultou em um ótimo
espetáculo, que, por tal caracterização, merecia talvez mais destaque. Os
detalhes do figurino, da iluminação e mesmo do cenário (simples, porém
significativo – um lenço aberto ao fundo, remetendo a esta “roda de conversa e
descontração”, tais como as rodas ciganas e as rodas de chimarrão gaúchas)
foram também muito bem pensados. E ali, como programa, estiveram presentes soleá, guajiras, tientos, alegrias, tangos e sevillanas,
propiciando um panorama da arte flamenca.
Por essas e por
outras, talvez, o Prêmio Açorianos de Dança deva estar em constante mudança,
atento a nuances que por vezes passam desapercebidas. E mais: em uma época de
falta de verbas na área cultural (extinção e retorno do Ministério da Cultura),
os recursos devem ser disponibilizados a quem os utiliza de maneira sábia e
proveitosamente, por que o dinheiro é do povo.
O patrocínio foi
bem empregado, não há dúvida, em Etnias.
Usina Tablao merecia um olhar mais
atento do público especializado.
Guilherme Reolon
de Oliveira
Mtb 15.241
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