Jornalista, sociólogo e
filósofo, doutorando em Ética e Filosofia Política (PUC-RS), autor de “Arte
pós-nonsense” (EDUCS, 2019)
Parece que a verborragia irracional daquele
que ora ocupa a cadeira de Presidente da República não tem fim. Se não houvesse
consequências, tudo bem, apenas seria motivo para qualificar o vocábulo
“bolsonaro” (assim, com b minúsculo) como adjetivo: “que atitude bolsonaro,
hein?”. Ou motivo de chacota internacional, como na série mexicana La
casa de las flores (Netflix): “que fazes, teu sobrenome é Bolsonaro.
Não bastaram aquelas frases de outro
presidente: “não sou uma pessoa, sou uma ideia”, “sou a alma mais pura”. Ou as
asneiras da outra. O atual chefe de Estado e de governo (cabe frisar que não se
trata de uma liderança, muito menos de uma Nação – que nunca se formou no
Brasil) não se cansa de atear fogo sobre tudo e todos, inclusive sobre si
mesmo. Perde a pouca credibilidade que alcançara escalado em dois (no máximo
três) ministros de respeitabilidade, desidratando-se aos poucos, ao ouvir
apenas 01, 02 e 03, que oficialmente (apenas oficialmente) não ocupam cargo no
governo – mas estão sempre por lá (inclusive com salas próprias).
Cada vez mais a teoria psicanalítica acerta
ao ligar o poder à estrutura psíquica perverso-paranóica. Observando nossos
governos, isso fica evidente. Mais nítido e transparente se olhamos para
esferas que parecem mais distantes, como o executivo federal (mas não só!). Os
espectros ideológicos, neste caso, se ainda existem de fato – e não apenas na
ilusão –, são irrelevantes. O perverso-paranóico flerta com a ambiguidade e o
autoritarismo, autoproclama-se detentor da verdade (vulgo, é “salvador da
pátria”), apresenta-se como perseguido (pela oposição, pela imprensa), goza com
o testemunho (de seus companheiros/correligionários, de seus adversários).
No que se refere à ambiguidade, o governo
petista aliou interesses de oligarquias da classe dominante, banqueiros e
empresários aos movimentos populares, gerando delírio de um governo para todos
e paralisado pelas forças contrárias que se anulam e mantém o status
quo. Supostamente combatendo esta lógica, do presidencialismo de coalisão,
o atual governo mira o autoritarismo, pelas vias da censura, medidas extremas e
afirmação de ingovernabilidade diante da realidade vigente (logo, a necessidade
de liquidar com as instituições).
A teoria também nos diz que discurso é
linguagem, mas também ação. Assim, o lulo-petismo defende os governos
venezuelano e iraniano; a família bolsonarista, o trumpismo e o
pós-1964. Aqueles favorecem condutas ilegais e a arruaça como guerrilha. Os
últimos, por sua vez, agem por vias tortas: tempos atrás, homenagearam
milícias, mas hoje são verborrágicos, surfam na irracionalidade. Todos adotam a
postura de Sinhozinho Malta, o icônico personagem da novela Roque Santeiro (de
1985!): manipula, persuade, sugestiona, conduz, induz, mas sempre afirma “não
sei de nada” ou, em outros termos, “não foi isso que eu disse”. Como dizia Cazuza:”
tuas ideias não correspondem aos fatos”.
O republicanismo vai para o ralo. A res
publica (a coisa pública), princípio e fundamento do Estado brasileiro
(e de qualquer estado democrático), é substituída por um personalismo
extremado. O interesse coletivo já não era nosso forte há alguns anos: o
lulo-petismo servia como “cabide de empregos” para “companheiros” e identificou
a coisa pública com os interesses do partido. O bolsonarismo exacerba isso e a
reduz à sua família, numa atitude ainda mais regressiva, psicológica e
socialmente. Quase (?) psicopatia e sociopatia. Reverbera num sado-masoquismo,
ao incentivar a população a se expor a uma doença quase
incógnita, ao mesmo tempo que não mede as consequências sérias de
seus atos.
Com o uso constante das máscaras, que nos
convida a reconhecer o Outro pelo Olhar, cuja consequência é a responsabilidade
infinita por aquele (princípio ético), parece que a impossibilidade de ser
altruísta de uns se evidencia. É bom lembrar: estamos com máscaras, mas não
estamos sem Rosto (ou não deveríamos estar)!
Diante da prepotência do presidente (“eu sou
o presidente”) e dos fatos transcorridos recentemente, a Associação Brasileira
de Imprensa acerta em requerer seu impeachment. Sua estrutura
perverso-paranóica, materializada no poder (“eu tenho a caneta”) e no discurso
(“eu sou o chefe supremo”), repercute num personagem lunático e delirante que
precisa ser detido urgente, senão penal, ao menos politicamente. Um
poder cuja conduta não tem lastro em princípios de uma ética cujo
parâmetro é o Outro é, no mínimo, insustentável.